Enquanto a Venezuela se prepara para o referendo deste domingo (3) sobre a redefinição da fronteira com a vizinha Guiana, crescem as especulações sobre o risco de um conflito armado entre os países. Especialistas ouvidos têm opiniões diferentes sobre o assunto e analisam a crise que se instaurou entre os vizinhos sul-americanos.
O professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Williams Gonçalves, entende que existe a possibilidade de guerra e que ela pode envolver grandes potências estrangeiras. “Não se trata apenas de [uma possível] guerra para tomar um pedaço de terra. Trata-se de tomar um mar de petróleo que existe ali. Portanto, a possibilidade de internacionalização do conflito, em virtude da importância do que está em jogo, é muito grande”, afirma Gonçalves.
Tradicionalmente um país pobre com baixos indicadores sociais, a Guiana tem vivenciado um boom econômico nos últimos anos devido à descoberta de reservas de 11 bilhões de barris de petróleo e outros bilhões de metros cúbicos de gás natural.
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Guiana teve o maior crescimento econômico entre todos os países do mundo em 2022, com um avanço de 62,3% no Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todos os bens e serviços produzidos no país. Em setembro, o FMI projetava um crescimento de 38% neste ano.
“Os Estados Unidos têm interesse na exploração do petróleo [da Guiana] e na derrubada do governo Maduro. Mas, por outro lado, a Venezuela tem uma sólida relação com a Rússia e China. A Venezuela se tornou uma base militar e tecnológica da China e da Rússia. Portanto, uma internacionalização do conflito pode ser uma coisa realmente explosiva”, diz Gonçalves.
Por outro lado, Mariana Kalil, professora de geopolítica da Escola Superior de Guerra (ESG), acredita que a postura atual da Venezuela sobre a Guiana atende prioritariamente a interesses políticos internos: a estratégia do presidente Nicolás Maduro é atrair apoio popular ao governo e tentar salvar o regime bolivariano. Para ela, portanto, é muito improvável que aconteça uma ofensiva militar.
“Claro que estamos lidando com um ator imprevisível, o Maduro. Caso o regime comece a se esvair, ele pode lançar uma ofensiva militar em ato de desespero. Mas acredito que mesmo com a aprovação do referendo, a comunidade internacional vai se mobilizar para evitar que o conflito ocorra. Os custos vão ser altos demais para as relações entre os países”, disse Mariana.
Com o acirramento das tensões na América do Sul, é colocado em pauta o papel do Brasil para evitar o aprofundamento da crise e uma guerra na região. Para a professora Mariana Kalil, o país tem tradição como mediador de conflitos na Venezuela e, por ter um governo atual que vê o mundo de forma cooperativa e multilateral, pode ajudar a mediar a situação.
O professor William Gonçalves concorda com a posição estratégica do Brasil e acredita em uma atuação mais contundente de mediação, já que o país entende que a paz na região é o melhor caminho.
É importante ressaltar que o Ministério da Defesa brasileiro informou que tem acompanhado a situação e que intensificou suas ações na “fronteira ao norte do país”, com um aumento da presença de militares na região. O Ministério das Relações Exteriores defende que Venezuela e Guiana busquem uma solução pacífica para a controvérsia.