Júlia ressalta a importância de ser tratada por alguém que compartilhe das mesmas particularidades que ela. Ela se sente mais acolhida e valorizada ao saber que está sendo atendida por um médico que compreende as experiências e desafios enfrentados pela comunidade negra.
Cauê Cedar, membro titular da Sociedade Brasileira de Dermatologia e especializado em pele negra, corrobora as palavras de Júlia. Ele afirma que a identificação entre médicos e pacientes negros é um fator determinante para que os laços se estabeleçam e os pacientes se sintam acolhidos e representados.
Segundo Cauê, embora não existam dados precisos sobre a procura por médicos negros, a busca por profissionais que ofereçam um atendimento mais específico e identificado com as demandas da comunidade negra é uma tendência cada vez mais presente na área da medicina. Ele acredita que as redes sociais têm um papel crucial nessa busca por representatividade, uma vez que permitem aos pacientes encontrarem profissionais que sejam semelhantes a eles.
Além disso, Cauê destaca o papel do “black money”, ou seja, da intenção de apoiar e fortalecer profissionais negros, como um fator que impulsiona essa oferta de serviços específicos para pacientes negros.
No entanto, apesar da busca por médicos negros, ainda é difícil encontrar uma representação adequada dessa comunidade na área médica. De acordo com dados do levantamento Demografia Médica no Brasil 2023, elaborado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em parceria com a Associação Médica Brasileira, há uma escassez de médicos negros no país.
O Conselho Federal de Medicina não exige a identificação da cor na hora da inscrição dos profissionais, o que dificulta a obtenção de dados precisos sobre a representação racial na categoria. No entanto, é perceptível a sub-representatividade dos médicos negros nos hospitais e outros espaços de atendimento médico.
Outra forma de medir essa discrepância é observar os dados referentes à formação de médicos pelas faculdades. Em 2019, apenas 3,5% dos novos estudantes de medicina eram negros, de acordo com o levantamento Demografia Médica no Brasil. Em contraste, a população brasileira é composta por 10,6% de negros, segundo dados do IBGE.
Diante desse cenário, o dentista Arthur Lima fundou a AfroSaúde, uma startup que visa conectar profissionais de saúde negros a pacientes. Arthur percebeu a dificuldade que as pessoas negras enfrentavam para encontrar profissionais de saúde que compartilhassem de sua cor de pele. A partir dessa experiência, ele decidiu criar uma plataforma online que facilita o encontro entre pacientes e especialistas negros.
Para Arthur, a falta de interesse na formação de profissionais de saúde para lidar com as demandas específicas da população negra é um reflexo da falta de disciplinas relacionadas à saúde dessa comunidade nas faculdades. Ele destaca a importância de uma maior representatividade e conhecimento técnico nessa área para garantir que os negros recebam um tratamento adequado e livre de disparidades.
Ele também ressalta casos específicos em que a saúde da população negra é negligenciada, como a violência obstétrica e a falta de entendimento sobre como o racismo afeta o adoecimento mental dessa comunidade. Por isso, muitas pessoas negras buscam profissionais que sejam semelhantes a elas e que possuam um conhecimento mais aprofundado sobre suas particularidades.
